Calem-se!
O banimento, o desterro, o exílio, obrigar ao silêncio e discriminar abertamente, agir contra os cidadãos nas sombras são práticas tradicionais de regimes autoritários.
No Brasil, instaurada a ditadura civil-militar pelo golpe de 1964, muitos foram obrigados ao exílio a fim de preservar a própria vida, entre eles o presidente deposto, João Goulart.
Predominou, no caso brasileiro, uma outra forma de varrer da cena pública os indesejáveis: a cassação, que no sentido usado na época, compreendia a perda de mandato eletivo e/ou a suspensão de direitos políticos por dez anos. Sem tocá-los fisicamente, mas interferindo brutalmente em seu cotidiano, até mesmo em sua capacidade de sobrevivência é medida radical e avassaladora: torna o inimigo, o divergente, um não cidadão, sem direitos e sem um sistema legal ao qual possa recorrer.
Cassavam mandatos eletivos e direitos políticos sem qualquer procedimento legal, por meio de processo secreto, sem nenhuma possibilidade de revisão e por escolha e determinação única e exclusivamente do sistema repressivo vigente.
No Brasil, entre 1964 e dezembro de 1978, centenas foram atingidos pelas cassações de seus direitos políticos – o que implicava em não poder exercer ou perder cargo eletivo, não poder votar ou ser votado, não poder filiar-se a partido político, ser constante e ilegalmente vigiado. Aliás, o próprio Judiciário foi alvo dessas medidas arbitrárias, com a cassação de ministros do Supremo Tribunal Federal e de magistrados. Não havia ninguém a quem apelar.
Um cassado transmutava-se em pária, alguém com quem tornava-se perigoso conviver, alguém a quem se negava o título de cidadão brasileiro, a quem não se fornecia sequer um passaporte de nacionalidade brasileira, praticamente um apátrida.
Alguns desses homens e mulheres partiram para o exílio.
A maioria permaneceu no Brasil em situação a que alguns dos estudiosos das ditaduras latino-americanas chamam exílio interior. Aqui viviam, aqui trabalhavam ou tentavam trabalhar, mas lhes era negada qualquer mínima participação na vida política nacional, em termos legais.
Neste tema, apresentamos breves perfis biográficos e políticos de homens e mulheres cujas vidas e trajetórias políticas foram indelevelmente marcadas e alteradas por esses atos arbitrários. Alguns foram cassados no exercício de mandatos pelo MDB, outros o foram nos primeiros dias após o golpe de estado, outros ainda pela atuação perversa de um sistema que premiava a intriga e os ataques pessoais a seus inimigos, simplesmente por pensarem diferente.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, para que o escolhido para governador do Estado, pelos que tomaram o poder em 1964, fosse eleito, mesmo que indiretamente, foi “preciso” cassar o mandato de sete parlamentares do MDB, pois mesmo com o sistema de eleições indiretas, a oposição contava com número suficiente para derrotar o governo nessa escolha.
Nessa ocasião, Paulo Brossard, então deputado estadual, pronunciou discurso que se tornaria clássico nas lutas democráticas: “As sete bocas mudas”.
O problema está em saber se alguém pode obter o Governo de sua terra mercê da cassação dos mandatos de seus conterrâneos, feitas pelo Governo do qual ele fazia parte, feitas em seu proveito, em sua vantagem. Esta é a dolorosa, é a dramática, é a trágica indagação que permanece de pé. Depois de cassados, sete deputados, cujas cadeiras vazias estão aí, como pobres bocas mudas que continuam a falar (…). Pobres bocas mudas! Abertas para que alguém pudesse chegar sem honra e sem glória ao Palácio Piratini.
Milhares de bocas foram emudecidas pelo arbítrio no Brasil entre 1964 e 1978.
Aqui fazemos um exercício de relembrar suas vidas e lutas para que suas vozes, ou a de qualquer cidadão brasileiro, jamais possam ser caladas novamente.
Fontes:
KINZO, Maria D’Alva. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966~-1974). São Paulo: Vértice, 1988.
LE GOFF, Jacques. História e memória, II volume, Memória, Lugar da História. Lisboa: Edições 70, 1982
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
OLIVEIRA, Paulo Affonso Martins de. Atos Institucionais: Sanções Políticas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2000.
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Calem-se!
Deputados Federais Cassados na lista do dia 14/10/1966 - Cesar Prieto, El-Jaick, Doutel de Andrade, Abrahão de Moura, Paes de Almeida e Abib Chamas (1966)
FOTO (Jornal Fatos e Fotos DF - Ano 1966 - Edição 300 - Página 23)
CESAR PRIETO - Dep. Federal RS (Cassado no dia 14/10/1966)
HUMBERTO EL JAICK - Advogado e Professor (Cassado no dia 14/10/1966)
DOUTEL DE ANDRADE - Dep. Federal RJ (Cassado no dia 14/10/1966)
ABRAHAO FIDELIS DE MOURA - Dep. Federal AL (Cassado no dia 14/10/1966
SEBASTIAO PAES DE ALMEIDA - Dep. Federal MG (Cassado no dia 14/10/1966)
ANTONIO ABIB CHAMAS - Dep. Federal SP
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Calem-se!
Os Exilados (1966)
1 - ADEMAR DE BARROS (Ex-Governador de São Paulo, cassado no dia 06/06/1966) em Paris, hospeda-se no Hotel Prince de Galles;
2 - WALDIR PIRES (Advogado e Ex-Deputado Federal pelo PSD-BA, cassado no dia 10/04/1964) na Universidade de Dijon;
3 - ALMIRANTE ARAGÃO (Almirante, cassado no dia 14/04/1964) com uma de suas filhas em Montevideo;
4 - SAMUEL WAINER (Jornalista, cassado no dia 10/04/1964) termina o seu primeiro filme na Grécia.
Fotos da Revista Manchete RJ
Ano: 1966
Edição: 0767 - 1966
Páginas: 108 a 111